por Jacques Sapir
Os leitores deste blog certamente conhecem Cédric Durand e associam-no a várias obras acerca da Europa, como a que ele dirigiu em 2013 [1] , ou acerca do Euro, como aquela publicada pela fundação ResPublica [2] . Entretanto, é menos conhecido que este brilhante jovem professor é o autor de numerosos artigos publicados em revistas prestigiosas [3] . Cédric Durand é um dos mais prometedores dentre os jovens economistas universitários franceses. É também por isso que se esperava a publicação do seu novo livro com ansiedade. Digamos sem rodeios, o resultado valeu a espera. Sua última obra, Le capital fictif, é um ensaio importante que tenta dar um sentido às derivas do capitalismo destes últimos quarenta anos e ao desenvolvimento da finança. Este livro é importante não só pelo assunto mas sobretudo pela abordagem que nos propõe, reabilitando a noção antiga, mas bem esquecida, de “capital fictício”. Ao assim fazer, ele abre um debate teórico importante, mas um debate também que não é SÓ teórico. Por trás do conceito perfilam-se desafios políticos importantes e, em particular, o do desapossamento (dépossession) realizado pelos financeiros.
Uma análise precisa
Os dois primeiros capítulos desta obra são consagrados às práticas da finança, naquilo que têm de mais escandalosas e também de mais reveladoras. No capítulo primeiro, depois de descrever as derivas individuais dos actores (e foram numerosas), ele mostra que estas têm pouco a ver com a cupidez pessoal, mas devem muito ao quadro sistémico no qual puderam ter lugar. É o caso de Jérôme Kerviel, tanto vítima como culpável, preso a uma lógica que o ultrapassava. Os diferentes escândalos que revê iluminam o cinismo, e também a dimensão do sistema, destas derivas financeiras. Deste ponto de vista, este livro é uma explicação rigorosa dos comportamentos que J. Wedel havia descrito na sua obra famosa sobre as derivas dos actores ocidentais da transição [4] . Sabe-se que este escândalo explode em 1998 com uma força temível e que dá lugar a um testemunho que convém reler de um dos responsáveis da CIA diante do Congresso dos Estados Unidos [5] . Num certo sentido, o escândalo da falência do fundo de investimento LTCM em 1998 prefigurava bem derivas da crise de 2007 [6] . Mas disto Cédric Durand está perfeitamente a par, pois defendeu há mais de dez anos uma tese notável (e notada) sobre a siderurgia russa na transição.
Esta constatação leva-o a interrogar-se sobre a responsabilidade dos economistas. Há naturalmente responsabilidades imediatas e ele mostra isso ao sublinhar o papel justificador que tiveram certas teorias em relação à desregulamentação muito interessada da finança, desregulamentação de que se sabia desde os anos 1990 ser portadora de crises graves[7] . Deste ponto de vista, pode-se lamentar que não esmiuce até uma análise particular a autores como Eugene Fama cuja teoria da “eficiência dos mercados” desempenhou um papel extremamente perverso no processo de liberalização da finança [8] . Mas é claro que esta responsabilidade deve-se também à utilização de uma metodologia profundamente irrealista que, como escrevia um epistemólogo reputado, Daniel Hausman [9] leva os economistas a negarem o impacto do ambiente sobre as preferências individuais: “A complacência generalizada que a maior parte dos economistas demonstra a propósito das pretensões da teoria económica e da sua má vontade quando se trata de considerar seriamente hipóteses psicológicas importantes é difícil de defender. A atracção por uma ciência separada é profunda, mas centrar-se sobre uma tal estrutura não se justifica e, ao assim fazer, cria barreiras não razoáveis ao progresso teórico e empírico” [10] . Estes procedimentos conduzem a privilegiar a ideia de uma auto-regulamentação da finança, às chamadas regras prudenciais. Mas estas regras são uma ilusão profunda [11] .
Resta analisar a lógica da instabilidade financeira. No segundo capítulo da obra ele mostra toda a pertinência das análises de H.P. Minsky [12] , mas também mostra que as mesmas estão incompletas. Com efeito, se bem que a análise pós keynesiana de Minsky seja de uma formidável eficácia descritiva, ela se inscreve num contexto particular, o do fim dos anos 1970 e dos anos 1980. Minsky não viveu tempo suficiente para ver desdobrar-se toda a lógica da financiarização da economia. É isto que leva Cédric Durand a desenvolver a ideia de que a finança e a financiarização actual das economias são um sintoma do Outono do capitalismo. Como diz um dos heróis da série Game of Thrones, vem aí o Inverno… Continuar lendo →
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